Atlas do Desterro Oco'y-Jakutinga
mapas & documentos da expropriação territorial
e remoção forçada dos Avá-Guarani de Oco’y-Jakutinga,
oeste do Paraná (1940-1980)
A construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu nos anos 1970, uma das maiores barragens do planeta, levou à uma reconfiguração radical da propriedade das terras na região do oeste do Paraná, gerando toda sorte de conflitos fundiários e impactando sobremaneira as comunidades Avá-Guarani que habitam este território desde tempos imemoriais.
Vários assentamentos indígenas, chamados pelos Guarani de “tekoha”, foram forçosamente removidos ou abandonados devido às pressões de invasores, especialmente órgãos de estado, para liberar estas terras para o imenso reservatório da usina ou para assentar colonos que migraram para a região.
Dentre estes tekohas encontra-se Oco’y-Jakutinga, um dos únicos territórios Avá-Guarani que logrou resistir ao processo de remoções por mais de uma década, até meados de 1982, quando foi completamente destruído pela inundação do lago de Itaipu.
Equipe:
Paulo Tavares
Ana Altberg
Maria Lúcia Carvalho Brant
(consultoria antropológica)
Parceiros:
Armazém Memória (Suporte Documental)
Requisição
Ministério Público Federal, PGR - 6a Câmara
Imagens dos assentamentos Avá-Guarani registrados em 1982 em um dossiê confidencial produzido pela Assessoria Especial de Segurança e Informações de Itaipu, órgão de inteligência do regime militar que respondia ao Serviço Nacional de Informações
Ocupando uma extensa área de mata atlântica entre dois afluentes
do baixo Paraná, o rio Ocoí e o ribeirão Jacutinga, cerca de 40km
ao norte da cidade de Foz do Iguaçu, o tekoha Oco’y-Jakutinga foi
alvo de uma campanha sistemática, e muitas vezes extremamente
violenta, de expulsões e transferências compulsórias durante todo os
anos 1970. Esta campanha não apenas estava alinhada com políticas
governamentais que foram dirigidas à região pelo regime militar, como
também foi diretamente operacionalizada por agentes de estado, quer
seja através de suas ações ou omissões. Ao final deste processo, as poucas famílias guarani que se recusaram a abandonar suas terras ancestrais em Oco’y-Jakutinga foram transferidas para uma pequena reserva estabelecida pela FUNAI que conseguiram conquistar após anos de luta, e que foi então chamada de Terra Indígena Ocoí. Demarcada às pressas e sem o pleno consentimento das famílias guarani, a área destinada à T.I. Ocoí é tão reduzida e descaracterizada ambientalmente que acabou por tornar inviável a reprodução social dos modos de habitação tradicional guarani, ao ponto de impor graves riscos à sobrevivência física e cultural destas comunidades.
Loteamento de Oco’y-Jakutinga – mapa fundiário elaborado pelo INCRA designando lotes para as famílias guarani. Nota-se o registro da presença de um cemitério indígenas na área.
Este estudo apresenta uma coleção de cartografias que
analisam como se deu o processo de esbulho, remoção, redução
e apagamento das comunidades guarani de Oco’y-Jakutinga – um
Atlas do Desterro. Neste Atlas os mapas aparecem não apenas como
documentos de violações, mas como instrumentos destas violações,
isto é, meios através do qual este processo de remoção e apagamento
foi operacionalizado. Dentro deste conjunto, destaca-se a análise de
imagens de satélite que permitem identificar a presença indígena
em Oco’y-Jakutinga antes das remoções dos anos 1970, documento que corrobora os testemunhos e as reivindicações guarani pela reparação da expropriação de seu território numa área muito maior e melhor adaptada ambientalmente do que a atual T.I. Ocoí
Desde o princípio o Estado não considerava a reparação territorial
destas famílias, mas tinha por objetivo principal removê-las da área,
coagindo-as a migrar ou transferindo-as para reservas já existentes.
Para tanto recorre-se ao que podemos chamar de “duplo apagamento”
da presença guarani em Oco’y-Jakutinga. Duplo porque este
processo de apagamento se dá tanto no território, através da redução
populacional por intimidações e violentas ações como a queima de
roçados e casas, quanto no plano discursivo, através da manipulação
de dados e cartografias que buscavam escamotear o processo
de violência que levou ao despovoamento de Oco’y-Jakutinga, e
consequentemente esvaziar a responsabilidade do Estado para com
a reparação desta população.
Desde que foram transferidos para a T.I. Ocoí em meados de 1982, os guarani que originalmente habitavam o tekoha Oco’y-Jakutinga e suas gerações descendentes seguem mobilizando-se para demandar uma reparação territorial justa em relação ao território que ocupavam.
O conflito iniciado nos anos 1970 pelo Estado brasileiro continua até hoje e, conforme este relatório conclui, só poderá ser solucionado com as medidas reparatórias adequadas. Neste sentido, os mapas apresentados neste Atlas não apenas oferecem provas materiais do processo de desterramento de Oco’y-Jakutinga, mas também instrumentos de advocacia para que a reparação destas comunidades seja finalmente cumprida.